FUNDAÇÕES

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Os manuais de Direito indicam, como principal traço distintivo entre fundações e associações, a natureza pessoal desta – são pessoas que se reúnem em torno de objetivos comuns –, ao passo que aquelas compõem-se de um patrimônio, que deve ser empregado na consecução dos objetivos traçados pelo instituidor. Decerto que essa ideia básica se desdobra em outras consequências; mas, para os objetivos destas linhas, é o que basta.

Também me bastava até o momento em que, nos anos 80, a generosidade de um amigo me apresentou à Fundação. Volume alentado, compilação de quatro histórias, escritas por Isaac Asimov e publicadas entre 1942 e 1950 na revista Astounding Magazine. A edição já fora, então, atualizada pelo autor. Li com alguma estranheza, a princípio – profusão de dados, saltos históricos, interrelações complexas. Aos poucos, a narrativa me pegou – era, enfim, de História que se tratava. Inspiração em Gibbon, Declinío e Queda do Império Romano, confirmada pelo próprio autor.

A internete traz várias resenhas da obra: inventor da psico-história, Hari Seldon conclui que a civilização galática está sob risco e propõe que se crie A Fundação, enciclopédia de todo o conhecimento humano, com o objetivo de abreviar o período de trevas que se avizinha e propiciar retomada menos traumática. É julgado como traidor, o projeto é relegado aos confins da galáxia. O declínio chega, enfim, como previsto, e a sequência narrativa mostra que sempre haverá meios de resistência à soberba, à prepotência, ao culto do pensamento único.

Essa a lembrança imediata, quando comecei, para fins profissionais, a compilar dados a respeito das fundações públicas paulistas.

Comecei pelas páginas mundiais. Em agosto de 2012, The Universal Matrix/DNA publicou lista com as dez maiores fundações filantrópicas do mundo, com os respectivos patrimônios, em bilhões de dólares: Bill & Melinda Gates Foundation, $37.4: Stichting INGKA Foundation, $36.0: Wellcome Trust United Kingdom, $22.1; Howard Hughes Medical Institute, $16.1; Ford Foundation United States, $10.3; Mohammed bin Rashid Al Maktoum Foundation, $10.0; Paul Getty Trust, $9.6; Robert Wood Johnson Foundation $9.2; Li Ka Shing Foundation. $8.3; The Church Commissioners for England $8.1 . Decerto que o rol já sofreu alterações – faltam nomes de peso, como Soros e Gulbekian; mas a nota de que, nos Estados Unidos; “a soma dos bens só das mais importantes supera os US$200 bilhões, mais que o PIB de muitos países” é indicador suficiente da relevância dessas entidades no concerto mundial.

Ponto para debate: seriam tais fundações filantrópicas? Na entrevista encontrada na mesma página, acima referida, Joan Roelofs contextualiza essa característica, ao destacar que organizações “financiadas não podem provocar grandes rupturas no poder e na riqueza, ou no capitalismo imperialista”, constituem “fachadas para o poder da elite”.

Não localizei dados específicos sobre fundações privadas, no Brasil. O IBGE estampa, em sua página, relatório de 2010, denominado “As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil”, em que agrupa essas duas categorias de entidades, que tem como substrato comum a ausência de finalidade lucrativa, conquanto sejam diversas as estruturas, patrimonial nas fundações, pessoal nas associações. Colhe-se nesse relatório que, em 2010, existiam aqui “290,7 mil Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos”. Esse número registrou queda de 14% em 2016, passando para 237 mil dessas entidades.

A estrutura fundacional foi aproveitada no setor público. A Advocacia Geral da União editou, em 2009, portaria com a relação de autarquias e fundações públicas representadas pela Procuradoria-Geral Federal; e vem, desde então, promovendo revisões. Na mais recente delas, de 2013 (Portaria 548), a relação é integrada por mais de uma dezena de fundações, como a Biblioteca Nacional, a Funai, o IBGE, a Fiocruz.

No Estado de São Paulo, a página oficial aponta 16 fundações, “que sob a coordenação direta do governador do Estado, são responsáveis pelas políticas relacionadas a seus setores” . A relevância pública é atestada pelas atividades que devem desempenhar – assistência social, pesquisa, saúde, difusão, cura do patrimônio público.

A obtenção de dados dessas entidades demandou, frequentemente, o recurso ao SIC.SP – Serviço Integrado de Informações ao Cidadão, criado sob o influxo da Lei de Acesso à Informação; O trabalho ainda não se completou – uma das entidades não atendeu o pedido, mesmo após recurso administrativo. Mas o que já se conseguiu revela que, no que concerne à assessoria jurídica, reina a disparidade: há fundações com corpo jurídico próprio, em outras a incumbência é de integrantes da Procuradoria Geral do Estado, há quadros inteiros de advogados comissionados; e o mesmo se dá quanto à remuneração, com variações que vão da paridade com as demais carreiras de advogados públicos à níveis absolutamente indignos da relevância das funções exercidas.

A Fundação foi pensada para que a barbárie fosse superada; as fundações têm, na sua concepção, o elevado propósito de atender a valores distintos dos econômicos; e as de natureza pública, em sintonia com esses valores e adequadamente aparelhadas, podem ser ferramenta eficaz para o fomento do interesse público.

https://theuniversalmatrix.com/pt-br/artigos/?p=4769

https://www.viomundo.com.br/politica/a-quem-servem-as-mega-fundacoes-a-professora-joan-roelofs-da-algumas-pistas.html

http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-04/total-de-fundacoes-privadas-cai-14-no-pais-diz-pesquisa-do-ibge

http://www.saopaulo.sp.gov.br/orgaos-e-entidades/fundacoes

José Nuzzi Neto é colunista da Revista Pub e escreve todo dia 21 de cada mês. É Presidente do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, Procurador Autárquico (DAEE-SP) e Professor Universitário.

Publicado na revista PUB no dia 24 de julho de 2019.

Veja aqui a publicação.

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