O Conselho Biônico da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo

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Derly Barreto e Silva Filho

Procurador do Estado de São Paulo

Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP

Presidente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo – SINDIPROESP (biênios 2015-2016 e 2017-2018)

Membro das Comissões de Advocacia Pública, de Direito Constitucional e de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP (triênio 2016-2018)

 

Tramita na Assembleia Legislativa paulista o Projeto de Lei Complementar nº 31/2017 (PLC 31), de iniciativa do Governador, que, entre outros desígnios, se propõe a alterar a composição do Conselho da Procuradoria Geral do Estado (PGE) e, assim, assegurar ao Gabinete do Procurador Geral (GPG) a maioria dos votos em suas deliberações.

Dentre as competências do Conselho, está a de “determinar, sem prejuízo da competência do Procurador Geral e do Corregedor Geral, a instauração de sindicâncias e de processos administrativos disciplinares contra integrantes da carreira de Procurador do Estado” (cf. art. 15, XII, da Lei Complementar Estadual nº 1.270, de 2015), competência que, trocando em miúdos, estabelece a igualdade de tratamento disciplinar a todo e qualquer Procurador do Estado, inclusive ao Procurador Geral do Estado.

A proposição já havia sido apresentada no Conselho em abril de 2017 pelo próprio Procurador Geral, e merecido, da parte do SINDIPROESP, em 5 de maio subsequente, veemente crítica (cf. Não ao Conselho Biônico).

O PLC 31 pretende criar 2 cadeiras para membros natos: a de Procurador Coordenador Geral de Administração – a ser provisoriamente ocupada pelo Procurador Chefe de Gabinete do Procurador Geral – e a de Procurador Ouvidor Geral.

Hoje, o GPG conta com 6 cadeiras, destinadas a exercentes de cargo em comissão e de função de confiança: 1 para o Procurador Geral, 3 para os Subprocuradores Gerais, 1 para o Procurador Corregedor Geral e 1 para o Procurador Chefe do Centro de Estudos.  Os membros eleitos são 8: 1 representante para cada um dos 5 níveis da carreira de Procurador e 1 representante para cada uma das 3 áreas de atuação da PGE (Contencioso Geral, Contencioso Tributário-Fiscal e Consultoria Geral).

Ao conferir “paridade” de assentos, a proposição garantirá, em verdade, a sobrerrepresentação do GPG no Conselho.

De fato, pois, (i) se ao Procurador Geral compete indicar ao Governador, para fins de nomeação, o Procurador do Estado Chefe de Gabinete (cf. art. 8º, § 1º, da Lei Complementar nº 1.270, de 2015) e os 3 Subprocuradores Gerais (cf. art. 19, parágrafo único, do mencionado diploma legal); (ii) se ao Procurador Geral cabe designar o Procurador do Estado Chefe do Centro de Estudos (cf. art. 47, caput, da referida lei) e o Coordenador de Administração (cf. art. 65, também da lei complementar citada); (iii) se a lista tríplice a ser encaminhada ao Governador para escolha do Corregedor Geral e do Ouvidor invariavelmente conterá pelo menos um nome da preferência do Gabinete do Procurador Geral (cf. arts. 16, § 1º, e 69, I, do referido diploma complementar), é inexorável que, com o seu voto de minerva em caso de empate (cf. art. 13 da Lei Complementar Estadual nº 1.270, de 2015), o Procurador Geral sempre obterá a maioria dos votos no Colegiado e restará vencedor nas suas deliberações.  Os conselheiros natos (leia-se: os comissionados), em razão do vínculo de confiança que os une ao Procurador Geral, dificilmente divergirão de suas diretivas (a menos, é claro, que tencionem afrontar o chefe e ser exonerados).  Logo, as deliberações do órgão traduzirão a orientação e a decisão do GPG e o Conselho tornar-se-á um departamento ancilar, vocacionado a expressar tão somente a vontade do Procurador Geral.

O arranjo orgânico proposto viola o art. 100, caput, da Constituição paulista, que prescreve: “A direção superior da Procuradoria Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica”.

Cabe notar, relativamente à estrutura dos órgãos de Advocacia Pública, que nenhuma outra Constituição estadual assenta que a direção superior da PGE deve ser compartilhada entre 3 diferentes órgãos.  As ordens constitucionais dos demais Estados e do Distrito Federal preveem que suas Procuradorias Gerais têm por dirigente, unicamente, os respectivos Procuradores Gerais, nomeados pelos Governadores.  É um formato monocrático – e não colegiado ou compartilhado – de gestão.

Diferentemente, São Paulo dispôs, por determinação constitucional expressa, inequívoca e pioneira, que a gestão superior da PGE deve estar a cargo do Conselho, da Corregedoria Geral e do Procurador Geral do Estado, a quem compete orientar jurídica e administrativamente a instituição.

Ao concentrar as competências de gestão superior nas mãos do Procurador Geral, o PLC 31 engendra um “conselho biônico” e espezinha a Constituição.

Desde 1986, o Conselho da PGE representa a contento, majoritariamente, a carreira de Procurador do Estado, tal como ocorre no Ministério Público do Estado de São Paulo (cf. art. 26 da Lei Complementar nº 734, de 1993) e na Defensoria Pública do Estado de São Paulo (cf. art. 26 da Lei Complementar nº 988, de 2006), instituições parelhas que elegem a maioria dos membros de seus Conselhos.

Há mais de 31 anos, o Conselho não só representa os Procuradores do Estado no órgão colegiado de gestão superior da PGE, mas também defende o interesse público.  Foi a composição majoritariamente eletiva do Conselho que, por exemplo, deliberou, por maioria, pela imediata cessação dos pagamentos, pela PGE, a título de “gratificação” prevista em resolução do Procurador Geral do Estado, para que servidores do Poder Judiciário – que já recebem vencimentos para tanto – levassem a efeito intimações, citações, autos de penhora, entre outros atos processuais em favor do Estado em juízo, sob a justificativa de contribuírem “para maior eficiência dos serviços judiciais”, em flagrante quebra dos princípios da moralidade e da igualdade processual entre as partes, vantagem esta que podia ser incorporada para fins de aposentadoria em 12 meses, não obstante o art. 133 da Constituição paulista estabeleça a possibilidade de incorporação de 10/10 da gratificação, mas desde que o servidor tenha-a percebido por 10 anose não apenas por 1 ano, como consta do art. 11 da Resolução PGE nº 6, de 2013 (cf. Deliberação CPGE 276/10/2016).  De 2013 a setembro de 2017, foram despendidos pela PGE mais de R$ 54 milhões para esse fim.

Se for aprovada a alteração proposta pelo PLC 31, decisões desse jaez provavelmente jamais serão tomadas.

Não há razão, portanto, para, rompendo com o modelo orgânico existente, instituir um “conselho biônico” ilegítimo, de feitio autoritário, centralizador e antidemocrático, que, às escâncaras, preordena-se a subjugar e aviltar os conselheiros eleitos e a garantir aos natos não apenas a maioria dos votos, mas até – o que é imoral e há de ser repelido – a imunidade disciplinar, considerada a hipótese de bloqueio, por eles, por exemplo, das competências do Conselho de controle interno dos atos do Procurador Geral e de instauração de sindicâncias e processos administrativos disciplinares contra integrantes comissionados da carreira de Procurador do Estado.

A sociedade brasileira está farta de privilégios e mandonismos.  Por isso, espera-se que o Parlamento bandeirante, atento à letra do art. 100, caput, da Constituição Estadual, aperfeiçoe a Lei Orgânica da PGE, mas a partir das emendas ao PLC 31, que os deputados João Paulo Rillo e Carlos Giannazi apresentaram a pedido do SINDIPROESP, que criam, no lugar de membros natos, 2 cadeiras para membros eleitos (cf. emendas ao plc-31/2017), com o objetivo de incrementar a representação dos Procuradores não comissionados no Conselho da PGE.

(fonte: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-conselho-bionico-da-procuradoria-geral-do-estado-de-sao-paulo/18005)

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