A Exclusividade do Exercício da Advocacia Pública pelos Advogados Públicos: Análise de Caso

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Derly Barreto e Silva Filho

Procurador do Estado de São Paulo

Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP

Presidente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo – SINDIPROESP (biênios 2015-2016 e 2017-2018)

Membro das Comissões de Advocacia Pública, de Direito Constitucional e de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP (triênio 2016-2018)

 

Como cediço, a Constituição da República destacou as Funções Essenciais à Justiça dos tradicionais Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), dedicando-lhes um capítulo próprio (Capítulo IV do Título IV).  A “Advocacia Pública” foi inserida na sua Seção II, composta de dois dispositivos.

Interessa, aqui, o caput do art. 132, do seguinte teor: “Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas”.

Chamado a decidir sobre a constitucionalidade, à luz do aludido parâmetro constitucional, de um sem-número de normas que criaram funções e cargos paralelos àqueles inerentes aos Procuradores dos Estados, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento segundo o qual: “É inconstitucional o diploma normativo editado pelo Estado-membro, ainda que se trate de emenda à Constituição estadual, que outorgue a exercente de cargo em comissão ou de função de confiança, estranho aos quadros da Advocacia de Estado, o exercício, no âmbito do Poder Executivo local, de atribuições inerentes à representação judicial e ao desempenho da atividade de consultoria e de assessoramento jurídicos, pois tais encargos traduzem prerrogativa institucional outorgada, em caráter de exclusividade, aos Procuradores do Estado pela própria Constituição da República” (ADI 4.843 MC-ED-REF; Rel. Min. Celso de Mello).  No mesmo sentido, entre outras, as ADIs 881, 1.679 e 4.261.

Assim deliberou a Corte em consideração à reserva constitucional de competência aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, estabelecida pelo supracitado dispositivo, que lhes conferiu, com exclusividade, o exercício da representação judicial e extrajudicial e a consultoria jurídica das unidades federadas e vedou a delegação das referidas atribuições a terceiros.

Conforme o correto magistério de Cármen Lúcia Antunes Rocha, “a advocacia pública tem tratamento constitucional específico”; “seu desempenho é restrito à carreira descrita na Lei Fundamental da República”, razão pela qual “não compete a qualquer advogado – ainda que o queira e esteja habilitado profissionalmente – exercer a advocacia pública, reservando a Constituição tão-somente aos membros da carreira aquela atribuição”.  Em síntese: “Somente os membros da carreira de Procurador, servidor efetivo do Estado com função única e permanente, é que podem desempenhar as atividades de representação judicial e de consultoria jurídica da pessoa pública de cujos quadros faça parte” (Constituição e Procuradoria do Estado, in Boletim de Direito Administrativo, ano XV, nº 3, mar./1999, p. 147 e 148 – sem grifo no original).

José Afonso da Silva também comunga desse entendimento: “É, pois, vedada a admissão ou contratação de advogados para o exercício das funções de representação judicial (salvo, evidentemente, impedimento de todos os Procuradores) e de consultoria daquelas unidades federadas, porque não se deram essas funções aos órgãos, mas foram diretamente imputadas aos Procuradores” (Curso de Direito Constitucional Positivo.  38ª ed.  São Paulo: Malheiros, 2015, p. 644 – sem grifo no original).

O arquétipo constitucional federal foi observado com precisão pela Constituição do Estado de São Paulo, que outorgou aos Procuradores do Estado o exercício da representação judicial e da consultoria jurídica estatal (cf. § 2º do art. 98).

No âmbito da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP), a Procuradoria do Contencioso Ambiental e Imobiliário (PCAI) reúne os Procuradores do Estado que se incumbem, dentre outras funções, de “promover, por via amigável ou judicial, as desapropriações de interesse do Estado e de suas autarquias” (cf. art. 32, I, c, da Lei Complementar nº 1.270, de 2015 – Lei Orgânica da PGE-SP).

Todavia, em 24 de novembro de 2017, o então Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, editou o Decreto nº 62.958, por meio do qual (i) declarou a utilidade pública de determinado imóvel; (ii) atribuiu à concessionária o poder de promover a sua desapropriação; (iii) ordenou que as despesas decorrentes da execução correrão à conta de verba própria da concessionária; e (iv) determinou que a carta de adjudicação seja expedida em nome de autarquia estadual, o Departamento de Estradas de Rodagem – DER.

Em princípio, nada se haveria a opor ao terceiro tópico: se se comete à concessionária o encargo da desapropriação, corolário lógico será que arque com as despesas respectivas.  Ocorre que o preceito seguinte instaura a dúvida: se a desapropriação é feita pela concessionária, em nome próprio, por que o título aquisitivo haverá de ser emitido em favor de autarquia estadual?

Independentemente do negócio jurídico subjacente – isto é, do contrato entre Estado e concessionária –, o fato é que a empresa privada está, com o decreto, apta a promover a desapropriação de imóvel que deverá incorporar-se ao patrimônio de uma autarquia.

Em outros termos: o Estado de São Paulo está a permitir que concessionária apreste desapropriação, em nome próprio, para incorporar imóvel ao patrimônio público – o da autarquia.  Trata-se, evidentemente, de substituição processual, é dizer, de legitimação extraordinária – a concessionária a buscar, em juízo, a concretização de interesse do Poder Público, qual a incorporação de bem ao seu patrimônio.

Oportuno mencionar o art. 3º do Decreto-lei nº 3.365, de 1941: “Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato”.

Não se vê, no texto legal, qualquer referência à legitimação extraordinária – é dizer, que as concessionárias têm o direito de promover desapropriações, em nome próprio, para incorporação do bem privado ao patrimônio do poder concedente.  Pelo contrário: por exceção, sempre decorrente de lei ou de contrato, é possível aos concessionários do poder público a aquisição de bens, para si, pela via coativa da desapropriação; e tais bens, finda a concessão, incorporar-se-ão ao patrimônio público.

Em preciso escólio, José Carlos de Moraes Salles sufraga esse entendimento, ao afirmar: “quando determinado bem interessa a um concessionário de serviço público ou a certa entidade paraestatal, a declaração de utilidade pública desse bem será editada pelo Poder Público a que se encontra vinculado o concessionário ou o ser paraestatal.  Todavia, a desapropriação será promovida por estes últimos, em nome próprio, e o bem, uma vez desapropriado, passará a integrar seus patrimônios e não os do Poder Público” (A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência.  6ª ed.  São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 138 – sem grifo no original).

Na medida em que o Decreto nº 62.958 investiu contra o disposto nos arts. 132 da Constituição da República e 98, § 2º, da Constituição Paulista, o SINDIPROESP impetrou, perante o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, mandado de segurança coletivo a fim de assegurar o direito líquido e certo dos Procuradores do Estado à exclusividade do exercício da representação judicial do Estado de São Paulo e suas autarquias, vulnerado pelo trespasse de suas atribuições constitucionais à empresa concessionária de serviço público.  Espera-se que o Poder Judiciário garanta a incolumidade constitucional e coíba a usurpação funcional denunciada.  As ações de desapropriação de interesse do Estado de São Paulo e de suas autarquias hão de permanecer a cargo de quem o ordenamento constitucional definiu em caráter cogente, indelegável, inderrogável e irrenunciável: os Procuradores do Estado.

(fonte: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-exclusividade-do-exercicio-da-advocacia-publica-pelos-advogados-publicos-analise-de-caso/18186)

Publicado em 04 de maio de 2018.
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