Cargos Comissionados e Funções de Confiança na PGE-SP: Crítica a Um Modelo Gerencial Ineficiente

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Derly Barreto e Silva Filho

Procurador do Estado de São Paulo

Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP

Presidente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo – SINDIPROESP (biênios 2015-2016 e 2017-2018)

Membro das Comissões de Advocacia Pública, de Direito Constitucional e de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP (triênio 2016-2018)

 

A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) apresenta, hoje, vacância de inéditos 387 cargos de Procurador do Estado (32,17% do quadro legal de 1.203).  No entanto, mantém, paradoxalmente, 243 dos 816 remanescentes em atividade (29,78%) no exercício de cargos comissionados e funções de confiança (cf. art. 115, V, da Constituição do Estado).

São números extravagantes e inquietantes, de difícil compreensão, que revelam um modelo gerencial arcaico, burocratizado, verticalizado, hierarquizado, baseado na disciplina e descomprometido com a eficiência administrativa de uma das três instituições incumbidas das “Funções Essenciais à Justiça”, a Advocacia Pública, à qual compete defender o Estado em juízo e zelar pela segurança jurídica dos atos e das políticas públicas estatais.

Para além de legislativamente questionável a previsão de tão exorbitante quantidade de “comissionados” – muitos dos quais sem atribuição (cf. http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/dispositivos-da-lei-organica-da-pge-sp-que-criam-funcoes-de-confianca-sem-atribuicao-sao-objeto-de-adi/18088) –, quadra indagar: diante de tão grave escassez de recursos humanos, afigura-se eficiente e razoável a decisão administrativa de conservar aproximadamente 1 em cada 3 Procuradores nessa condição?  São centenas de chefes, assessores, assistentes, subprocuradores, corregedores, ouvidores, etc., vários deles em exercício há muitos anos.

departamentos inteiros constituídos somente por Procuradores Assessores, como se todos ali demandassem “relação de confiança” com o agente que os nomeou; como se as funções de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, que constitucionalmente se situam entre as competências institucionais ordinárias da PGE-SP pudessem ser reservadas a “certas” pessoas da predileção do governante, numa abstrusa politização de função pública técnica, para a qual, em tese, qualquer Procurador aprovado em concurso público estaria habilitado a exercer (cf. arts. 131 e 132 da Constituição da República).

A rigor, os Procuradores em exercício nessas assessorias desempenham atividades ordinárias, técnicas (v.g., elaboração de pareceres, minutas e mensagens), que nada têm a ver com “atribuições de direção, chefia e assessoramento” em sentido estrito, por não apresentarem qualquer especificidade diferenciadora, na elucidativa expressão utilizada pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 3.706 e 4.125.  Tais funções deveriam ser exercidas por Procuradores titulares de cargos efetivos, sem quaisquer ônus remuneratórios adicionais ao Estado.

À guisa de exemplo, para a elaboração de projetos de lei e confecção de vetos, o Procurador não precisa ser “de confiança”, isto é, vinculado à política ou às diretrizes administrativas estabelecidas pelo governante; há, sim, de possuir conhecimentos específicos de técnica legislativa, de legística, de processo legislativo, de língua portuguesa, afora noções multidisciplinares, aferíveis objetivamente, para que o futuro ato normativo reúna todos os predicados que lhe garantam validade, efetividade e eficácia jurídico-social.  Dito de outra forma, para um acurado trabalho legiferante, ou um parecer, são inteiramente dispensáveis as “preferências pessoais” do nomeante pelo “seu” assessor.  Um bom Procurador Assessor não é aquele que se mostra servil ao nomeante, mas aquele dotado de aptidão e apuro técnicos, requisitos obteníveis mediante processo objetivo meritocrático de seleção de quadros.

Ao destinar número expressivo de Procuradores para exercer supostas “atribuições de direção, chefia e assessoramento”, a PGE-SP desvia-se finalisticamente de suas funções constitucionais, notadamente as de representação judicial e de consultoria e assessoria jurídica do Poder Executivo (cf. art. 99, II e V, da Constituição do Estado), decisão que traz graves consequências para o bom funcionamento institucional.

Citam-se algumas.  Entre abril de 2016 e janeiro de 2018, 104 Procuradores pediram exoneração ou se aposentaram.  Nesse mesmo período, o número de processos judiciais sob acompanhamento dos Procuradores da área do contencioso aumentou de 1.693.860 para 2.080.736 – um incremento da ordem de 22,84% (386.876 processos).  Também ao longo desses 22 meses, foram editados 24 atos administrativos de designação pelo Gabinete do Procurador Geral do Estado (GPG), com determinação para que uma Consultoria Jurídica respondesse pelo expediente de outra, haja vista a falta de Procuradores consultores em várias Secretárias de Estado (a Consultoria Jurídica da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, por exemplo, ficou desfalcada por 116 dias).

Não obstante o déficit, o contingente de Procuradores em cargos comissionados e funções de confiança não se modificou substancialmente.  Em 1º de junho de 2016, eram 254; atualmente, 243.

Essa disposição sobrecarrega a maioria dos Procuradores de banca (os “não comissionados”), que cada vez mais respondem por um sem-número de prazos judiciais, com a agravante de serem encarregados de tarefas administrativas secundárias (elaboração e conferência de cálculos, por exemplo), haja vista o minguado quadro de carreira de apoio administrativo na PGE-SP (0,82 servidor por Procurador).

Além de distorções atinentes ao volume de trabalho, o modelo gerencial adotado pela PGE-SP (1 comissionado para cada 3 Procuradores) burocratiza e hierarquiza o relacionamento funcional entre os advogados públicos, que deveria pautar-se pela relação de coordenação.

Entre um Procurador de banca na Procuradoria Fiscal e o Procurador Geral do Estado, por exemplo, há 5 Procuradores do Estado “comissionados”, assim ordenados: 1 Chefe de Seccional, 1 Chefe de Subprocuradoria, 1 Chefe de Unidade (e seus assistentes), 1 Subprocurador Geral Adjunto do Contencioso Tributário-Fiscal e 1 Subprocurador Geral do Contencioso Tributário-Fiscal (e seus assistentes).  Finalmente, no topo da “cadeia de comando”, está o Procurador Geral do Estado, que também dispõe de seu Procurador Geral Adjunto, de seu Procurador do Estado Chefe de Gabinete e de 6 assessorias, compostas por dezenas de assessores.

Esse é o longo caminho que uma representação, com proposta ou crítica de um Procurador de banca, deve percorrer até chegar ao Procurador Geral.

Em vez de haver 7 instâncias dispostas verticalmente, a PGE-SP deveria, a partir de uma estrutura orgânico-funcional mais enxuta, com menos degraus e comissionados, enveredar por uma gestão administrativa participativa, calcada na horizontalidade das relações funcionais, que prestigiasse a igualdade e o respeito recíproco entre profissionais dotados da mesma capacidade e de independência técnica, arranjo que, ademais, estimularia a colaboração, a parceria e a interação de todos os Procuradores, e não apenas daqueles que são os “superiores”.

As tecnologias da informação têm papel relevante na mudança de paradigma gerencial em busca de maior eficiência administrativa, na medida em que possibilitam a plena integração entre os membros da PGE-SP; a troca instantânea de informações; a apresentação e a discussão coletiva de propostas; a veiculação em tempo real de reclamações; a reflexão, a crítica e a avaliação abertas e plurais a respeito dos atos de gestão; a rápida e eficaz resolução de problemas; a conscientização do grupo acerca de alterações de posturas e rotinas administrativas e a formação de amplos consensos em rede, fator de legitimação de decisões de interesse orgânico.

Para esse novo modelo de gestão, preordenado a soluções dialógicas, colegiadas, transparentes e criativas, importam as pessoas, suas ideias, suas impressões, suas expectativas, seus julgamentos, e não apenas a vontade dos órgãos de cúpula e seus atos de cobrança fundados em manuais e procedimentos impostos sem ausculta e participação dos “subordinados”.

Por fim, em atenção ao princípio republicano, e a fim de assegurar alternância de poder e consolidação de uma memória institucional e impessoal, a PGE-SP deveria instituir processo seletivo e mandato para cargos comissionados e funções de confiança: após um lapso de 2 anos, prorrogáveis por igual período, o Procurador, escolhido pelos seus pares, retornaria às suas atribuições ordinárias, em igualdade de condições com seus antigos “coordenados”, e assim permaneceria por certo período (quarentena), tal como se dá, mutatis mutandis, entre os magistrados (cf. Resolução CNJ nº 209, de 2015).

(fonte: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/cargos-comissionados-e-funcoes-de-confianca-na-pge-sp-critica-a-um-modelo-gerencial-ineficiente/18121)

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