Criação de Funções De Confiança Sem Atribuição Legal: Posicionamento do Governo, da Assembleia Legislativa e do Ministério Público de São Paulo

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Derly Barreto e Silva Filho

Procurador do Estado de São Paulo

Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP

Presidente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo – SINDIPROESP (biênios 2015-2016 e 2017-2018)

Membro das Comissões de Advocacia Pública, de Direito Constitucional e de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP (triênio 2016-2018)

Autor do livro intitulado “Controle dos atos parlamentares pelo Poder Judiciário” (Malheiros, 2003)

Com fundamento no art. 115, V, da Constituição do Estado de São Paulo – que, reproduzindo o art. 37, V, da Constituição da República, dispõe que “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” –, o SINDIPROESP ajuizou, em dezembro de 2017, ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por meio da qual questionou a validade jurídico-constitucional de vários dispositivos da Lei Complementar nº 1.270, de 2015 (Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo – LOPGE), e da Lei Complementar nº 1.082, de 2008, que, sem descrever as suas respectivas atribuições, criaram dezenas de funções de confiança (cf. http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/dispositivos-da-lei-organica-da-pge-sp-que-criam-funcoes-de-confianca-sem-atribuicao-sao-objeto-de-adi/18088).

De proêmio, seja qual for o veredicto do Órgão Especial do TJ-SP, a resolução da questão judicial revestir-se-á de excepcional importância jurídica, porquanto informará o comportamento legislativoadministrativo e financeiro não só do próprio Estado de São Paulo, mas também de seus 645 municípios: poderão estes entes federados designar e gratificar servidores para o exercício de funções de confiança sem que as respectivas leis instituidoras tenham descrito detalhadamente as suas atribuições, mas somente as dos órgãos?

Regularmente citado para defender o ato increpado, o Procurador Geral do Estado de São Paulo manifestou-se pela constitucionalidade dos dispositivos impugnados, sob o argumento de que: a) “Embora [as funções de confiança] devam ser instituídas por lei e ainda que sejam voltadas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, não é exigível a descrição pormenorizada das atividades a serem desempenhadas pelos servidores que desempenham essas funções” (grifou-se); b) “Isso porque se trata de funções que devem ser exercidas exclusivamente por servidores titulares de cargos públicos efetivos, que já foram aprovados em concursos públicos”.  Para ele, basta um órgão da Procuradoria Geral do Estado (PGE-SP) deter certa competência administrativa para que se justifique o estabelecimento de função de confiança a ser exercida por Procurador designado para prestar serviço nesse departamento.

Para o referido dirigente, a competência do órgão confunde-se com a do agente.  Assim, por exemplo, se a Assessoria Técnico-Legislativa integra o Gabinete do Procurador Geral e responde pelo “assessoramento jurídico ao exercício das funções legislativas e normativas que a Constituição do Estado outorga ao Governador”, as funções de confiança previstas na lei (Procuradores Assessores) encontram lastro constitucional na medida em que as assessorias foram criadas “a fim de auxiliar o Procurador Geral no exercício de suas atribuições legais” em razão da matéria.  Tão só.

Em suas informações, o Governador do Estado endossou a manifestação do Procurador Geral do Estado, também ratificada em sua essência pelo Presidente da Assembleia Legislativa, para quem, “no caso das funções de confiança previstas na lei complementar em exame (…), que disciplina a Procuradoria Geral do Estado, as suas atribuições decorrem da própria natureza das funções desempenhadas por esse órgão, que possuem previsão constitucional”.

Dissentindo desse entendimento, o Ministério Público opinou pela procedência do pedido da ADI.

Segundo o Parquet, as atribuições transcritas pelo Procurador Geral do Estado como sendo relativas a funções de confiança “referem-se aos órgãos nos quais elas são lotadas”.  Entretanto, “não há que se confundir (…) as atribuições do órgão com as atribuições dos agentes públicos que o compõem”.  Outrossim – prossegue –, “a criação de função de confiança e seu respectivo detalhamento encontram-se adstritos à reserva legal absoluta ou forma, a fim de se permitir a aferição dos requisitos impostos pelo texto constitucional quando da sua instituição”.  Afinal, “quando da criação de funções de confiança, cumpre ao legislador traçar em seu texto cada uma das atribuições conferidas ao agente público ocupante de tal função”, quais sejam: direção, chefia e assessoramento.  “A omissão de mandamento neste sentido – assevera – impossibilita a aferição da presença dos critérios exigidos pelo constituinte, conduta esta que não pode ser tolerada em um Estado Democrático de Direito, cuja essência resta alicerçada na ampla publicidade de informação, sendo contrários ao seu espírito atos velados, obscuros, sobre os quais resta impossibilitada qualquer espécie de controle”.  Sem a descrição pormenorizada das atribuições das funções de confiança, “não é possível ao Poder Judiciário e demais legitimados a tal controle sindicar se foram criadas, efetivamente, para as situações constitucionalmente permitidas”.

Com razão, porque a descrição das competências dos vários órgãos da PGE-SP empreendida pelo Procurador Geral do Estado, pelo Governador e pelo Presidente da Assembleia Legislativa na tentativa de justificar a criação de um sem-número de funções de confiança (cujas atribuições seriam as mesmas dos órgãos) não revela o elemento essencial que asseguraria a constitucionalidade dos dispositivos da LOPGE conspurcados: qual a especificidade diferenciadora entre a função de confiança e a função técnica ordinária de um Procurador do Estado?  O que, nas leis invectivadas, demonstra que tais funções demandam “relação de confiança” entre o servidor designado e o agente designante?

Para legitimar a criação de uma função de confiança – ensina Alexandre Santos de Aragão –, “não basta obviamente a lei apenas dar o nome de ‘assessor’” (Curso de Direito Administrativo.  2ª ed.  Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 538).  É a presença das atividades de direção, chefia e assessoramento que justifica a sua criação, na quantidade e nas situações legalmente assentadas.

Todavia, nos dispositivos das leis questionadas, não há qualquer descrição, qualquer detalhamento da “atribuição de confiança”, que (i) operaria como mecanismo de controle de eventuais desvios de funções administrativas; (ii) garantiria que fossem aplicadas aos seus ocupantes as normas administrativas, trabalhistas e previdenciárias apropriadas para as posições, de fato, exercidas; e, principalmente, (iii) asseguraria que somente fossem previstas funções de confiança paraatividades de direção, chefia e assessoramento, e não para o desenvolvimento de atribuições próprias, ordinárias, de cargo efetivo.

A discussão encetada a partir da ADI do SINDIPROESP torna oportuna a reflexão acerca do modelo gerencial que vige há décadas na PGE-SP, modelo manifestamente arcaico, burocratizado, verticalizado, hierarquizado, baseado na disciplina e descomprometido com a eficiência administrativa (cf.http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/cargos-comissionados-e-funcoes-de-confianca-na-pge-sp-critica-a-um-modelo-gerencial-ineficiente/18121).

A gestão da PGE-SP apoia-se numa inexplicável pletora de cargos comissionados e de funções de confiança que não encontra paralelo nas demaisfunções essenciais à justiça.  Num universo de 802 Procuradores do Estado em atividade, e mesmo com a vacância de 401 cargos (posição em 29/05/2018), a PGE-SP mantém 243 deles designados para responder por supostas atribuições de chefia, direção e assessoramento (aproximadamente 1 em cada 3 Procuradores é “comissionado”), enquanto os não-comissionados, quando não afastados por doença [1], suportam inadmissível sobrecarga de trabalho, com a agravante de serem encarregados de tarefas administrativas secundárias (elaboração e conferência de cálculos judiciais, por exemplo), haja vista o minguado quadro de carreira de apoio na PGE-SP (0,82 servidor por Procurador).

Diante dos desafios com os quais a instituição se depara, é hora de modificar a forma pela qual o trabalho divide-se, planeja-se, organiza-se e controla-se; é hora de definir, fundamentar e justificar, claramente, tal como exige o princípio da legalidade, as atribuições e as responsabilidades que recaem sobre aqueles que ocupam cargos comissionados e exercem funções de confiança na PGE-SP.

(fonte: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/criacao-de-funcoes-de-confianca-sem-atribuicao-legal-posicionamento-do-governo-da-assembleia-legislativa-e-do-mpsp/18217)

Veja aqui a íntegra da manifestação do Procurador Geral do Estado.

Veja aqui a íntegra das informações do Governador do Estado.

Veja aqui a íntegra das informações do Presidente da Assembleia Legislativa.

Veja aqui a íntegra do parecer do Ministério Público.

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