Márcia Semer: Doria e Bolsonaro estão do mesmo lado ao visar estado mínimo

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Para a procuradora Márcia Semer não há diferença entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quando se trata de visão econômica. Segundo ela, ambos visam diminuir a presença do estado, o que, na opinião da procuradora, só tende a trazer “desgraças” para o país.

 

Durante o “Conversas na Crise – Depois do Futuro” de hoje, a procuradora discutiu o Projeto de Lei 529/2020, que estabelece medidas de austeridade fiscal na administração estadual paulista e prevê, entre outras coisas, o recolhimento de recursos das universidades estaduais e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O projeto, assim como a PEC de Bolsonaro, prevê o estado mínimo.

 

“Não existe Doria de um lado e Bolsonaro de outro. Do ponto de vista econômico eles estão do mesmo lado. Eles têm a mesma visão de estado mínimo ou diminuto.

 

“Eu acho que são governantes, ainda que com a roupagem do moderno, que entendem o estado como aquele que deixa as coisas acontecerem e que confiam no mercado para realizar tudo. E acham que o estado na verdade serve a iniciativa privada e não é servido”, disse ela durante a entrevista, organizada pelo IdEA (Instituto de Estudos Avançados) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) em parceria com o UOL.

Segundo a procuradora, a iniciativa privada não tem a estrutura semelhante a do Estado para organizar a sociedade. “As experiências históricas que assistimos por todo o século 20 e mesmo agora mostram que a iniciativa privada não tem nem o instrumental do estado para poder organizar a sociedade, para criar condições mínimas de convivência pacífica. O que me preocupa em todo esse movimento é que estamos desestruturando setores importantes de sustentação de uma vida menos conflituosa.”

 

Violação à autonomia universitária

 

Ela vê com preocupação o trecho do PL que prevê o recolhimento de recursos “excedentes” das universidades estaduais de São Paulo e vê uma violação à autonomia universitária. “Esse dinheiro das universidades e de outros setores que estão organizados num sistema de fundos é um dinheiro fundamental para que nós tenhamos uma sociedade que tenha alguma esperança de ter um futuro melhor.”

 

“Principalmente nesse setor das universidades, é um setor fundamental do conhecimento. Nós temos que ter gente pesquisando na área das ciências humanas, biológicas, exatas. Porque é esse o nosso grande passaporte para o futuro.

 

De acordo com ela, “esse passaporte vai depender do quanto vamos conseguir fazer da nossa sociedade uma sociedade de pessoas pensantes, que dialoguem, que ouçam o outro, que respeitem. Acho que tudo isso está em cheque nesse tipo de construção de um estado diminuto. Que é um estado que só vai nos trazer mais conflitos sociais, que só vai nos trazer desgraças para ser bem honesta.”

 

Márcia destacou que é incorreto compreender esse dinheiro das universidades como uma verba superavitária. “Na verdade os fundos não são superavitários. Superavitários seriam se eles dessem lucro. O fundo não dá lucro. O que acontece é que às vezes o dinheiro entra e não há possibilidade de gastar tudo naquele exercício orçamentário. Você não perde aquele dinheiro. E isso dá um grande manejo para as universidades para que elas possam empreender as atividades de pesquisa científica.”

 

A procuradora aponta a corrida mundial pela vacina como um exemplo da necessidade de se manter verbas nas universidades. “Estamos numa corrida científica pela obtenção da vacina para que a gente possa sair na rua com liberdade. Isso não se faz sem dinheiro. Há necessidade de investimento, de pesquisa de alta qualidade, de insumos caros.”

 

“O Instituto Butantan que vai ser o responsável por nos fornecer, alguns anos atrás estava sucateado. Tem matérias na imprensa dizendo a situação dramática que se encontrava o instituto em 2014. Houve uma denúncia sobre isso e houve uma recuperação, um investimento no Instituto Butantan para que ele voltasse a ter esse capacidade extraordinária de poder nos conduzir nessa crise e quem sabe fornecer a vacina a todos nós”, lembrou.

 

Ela criticou a ausência de discussão pública sobre o projeto e encerra criticando a falta de debate entre os próprios governantes. “Eu gostaria de ver governantes que viesse na televisão, a público nos dizer quais são as políticas deles para São Paulo, para desenvolver o Brasil daqui a dez, 20 anos. Precisa ter planejamento de longa data para você poder equacionar os problemas que a sociedade mundial vai ter que enfrentar nos próximos anos. Eu não vejo esse debate travado entre os nossos políticos.”

 

Após a publicação desta reportagem, o governo de João Doria procurou o UOL para dizer que o projeto de lei não tira dinheiro das universidades e da Fapesp. “O Governo propõe que o dinheiro que está sobrando no caixa delas seja realocado e usado onde falta: pagamento de servidores ativos e aposentados em 2021 e nos serviços públicos de educação e saúde que serve a toda a população”, fiz a nota.

 

“O Governo de SP, por exemplo, destinou R$ 1,3 bilhão para Fapesp no ano passado, maior repasse desde 2013, e apenas 30% foi comprometido até julho. Ou seja, a Fapesp ainda tem em caixa cerca de R$ 1 bilhão a serem aplicados. Os gastos futuros com ensino superior serão garantidos pela destinação obrigatória da arrecadação estadual, prevista na Constituição do estado, nos próximos anos. O Governo de São Paulo prevê, para 2021, um déficit de R$ 10,4 bilhões por causa da queda na arrecadação causada pela pandemia do coronavírus.”

 

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